Corpos na Trouxa
Histórias-artísticas-de-vida de mulheres palestinianas no exílio
“I write to show myself showing people who show me my own showing.”
Trinh T. Minh-ha
Este livro na forma de uma trouxa embrulha a minha história da vida e o meu sonho palestiniano feminista. Sempre que puder, desato a trouxa para contar e mostrar o meu sonho: regressar a uma Palestina livre, livre de todas as opressões. Foi por esta razão que sugeri este livro para o Clube do Livro Feminista Heróides.
Este livro começou a ser escrito em 1948, muito antes de eu nascer. O ano da Nakba é o ano zero no contexto palestiniano, é o ponto de partida para o exílio ou para a vida sob a ocupação. Enquanto mulher palestiniana, foi este livro na forma de uma trouxa que me deu a conhecer a mim mesma e à história do exílio da minha família da Palestina em 1948. Com ele, esse meu corpo se tornou palestiniano, tal como a liberdade.
É um projeto académico, mas muito pessoal, que começou com uma questão que não parou de me bater à porta: será que estando no exílio produzo com outras investigadoras, artistas, escritoras, poetas, cantoras, realizadoras, bailarinas e outras mulheres uma narrativa palestiniana dos nossos corpos? Ou até um feminismo palestiniano? Em Corpos na trouxa, procurei pensar a possibilidade de um ativismo político feminista através da narrativa do corpo no trabalho das artistas palestinianas no exílio, as mulheres que residem nas “fronteiras”. Este conjunto de trabalho artístico é um manifesto político feminista de resistência às diferentes opressões coloniais e patriarcais.
Este livro não foi escrito apenas por mim. É um trabalho colectivo, pois é bordado também pelos objetos e pelas histórias, cheiros, corpos, pessoas, memórias, barulhos, imagens que me interrompem. Não é um livro, é uma trouxa que eu ato e desato, para lá dentro encontroar outras pessoas, outros livros, romances, poemas, músicas, filmes e outras obras artísticas. Esta trouxa oferece espaço às criações artísticas palestinianas sem as quais este livro não teria acontecido. Este livro-trouxa é um espelho que captura a imagem de outros espelhos de uma forma que dificilmente se sabe qual é o original num jogo de intersubjetividades que recusa ou supera a hierarquia entre quem narra e quem é “narrado”. É um acto repetitivo de abrir a trouxa em frente do espelho. Através de criações artísticas e culturais contemporâneas, estas mulheres narram a história da Palestina que acontece no seu corpo, uma história que é também a minha.
Este livro e os seus objectos são também um reflexo da vida contemporânea das pessoas que habitam a fronteira, estejam onde estiverem, até daquelas que vivem na fronteira mesmo estando “em casa”.
Hoje, neste nosso momento, muitas pessoas sentem este mesmo exílio. Não só por causa de uma situação de confinamento e de doença, mas também por circunstâncias políticas opressivas, que as silenciam e as deixam à margem. Este livro conta que, sim, o exílio funciona como fonte de opressão, mas também de resistência. Que seja este nosso exílio o primeiro passo de uma revolução.
Este livro ainda não existe inteiro, estará sempre em processo. Partilhá-lo no Clube do Livro Feminista Heróides foi um entre vários processos da resistência ao exílio e no caminho do regresso, um dia, a uma Palestina livre. Do mesmo modo, esta partilha e as pessoas que dela fizeram parte num acto colectivo de leitura são também uma resistência e um primeiro passo para uma revolução.
Shahd Wadi