Mulheres todos os dias

uma exposição sobre o Sindicato do Serviço Doméstico

Consta que no primeiro congresso nacional do Sindicato do Serviço Doméstico, em 1979, entre tantas outras, uma empregada doméstica tomou a palavra dizendo: “acabemos com o termo mulher-a-dias, lembra o passado. Sou mulher a cem por cento, mas sou trabalhadora doméstica”. Se ser empregada doméstica era uma profissão tão boa como qualquer outra, seria alguém capaz de criar uma filha para a pôr a servir? – perguntava-se. Eram trabalhadoras por inteiro, todos os dias. O manifesto seria dirigido ao Governo, mas também a si mesmas. Milhares de mulheres quiseram criar um sindicato para reconverter a sua profissão e emancipá-la dos moldes de exploração em que se processava até então. E até aos dias de hoje. 

Em março de 2022, alguns arquivos dispersos sobre esse período ocupam o espaço da Galeria Geraldes da Silva. Nesta exposição, procura-se reconstituir a história de uma mobilização que, entre o período anterior ao 25 de abril e até 1991, traz para a linha da frente mais de 6000 trabalhadoras do serviço doméstico sindicalizadas. Entre escravas e presumidas confidentes, a existência destas trabalhadoras parecia depender da vontade das suas patroas. Em postos de trabalho individuais e atomizados, organizaram-se em delegações e distribuíram trabalho por zonas, para agitar e encorajar a reivindicação, agir com mãos e cabeça, alfabetizar, cuidar e garantir condições para o trabalho e a auto-organização coletiva. 

Ao longo de três secções, uma história de construção de trabalhadoras para trabalhadoras contada a partir da reprodução dos documentos do arquivo da CGTP, de registos audiovisuais do arquivo da RTP e de documentos originais do arquivo da dirigente do sindicato Conceição Ramos e da formadora de dirigentes e cooperadora Godelieve Meersschaert. 

RAÍZES dá conta dos trabalhos internos, tantas vezes invisíveis, do que desponta. A mobilização e politização através da Juventude Operária Católica, a formação da Comissão Pró-Sindical mesmo antes do 25 de abril, a rixa com o “sindicato das Zitas” (como era conhecido, tomando por designação oficial Sindicato Livre das Empregadas Domésticas – SLED), que foi reconhecido pelo Governo antes do SSD.

TODOS OS DIAS traz-nos alguns trechos da atividade do sindicato: a intensa atividade das delegações regionais e de bairro, as iniciativas culturais, passando por cursos de formação, de alfabetização e de construção de peças de teatro que percorrem o quotidiano e reivindicações das Empregadas Domésticas, as angariações de fundos e a sua cooperativa – COOPERSERDO – com as diferentes sedes em Lisboa, no Porto e Évora com lavandaria, refeitório e creche. 

UMA VEZ NA VIDA traz alguns dos pontos míticos que apontaram rumo ao futuro: os encontros e congresso nacional de 1979 para dizer não à servidão. Estas trabalhadoras ergueram com as próprias mãos o seu sindicato para reivindicar direitos iguais aos outros trabalhadores, os espaços de que necessitavam de apoio às crianças e a si próprias, de refeição e de lavandaria, as suas próprias sedes, que ocuparam e de onde foram, em algumas situações, despejadas. Mas também construíam todos os dias a mobilização, o financiamento, os materiais de reivindicação, as suas escalas, a comunicação entre si, de esclarecimento ou de reposição da lei aos patrões. Construíram laços de solidariedade internacional, construíram os materiais de divulgação, faixas e matrafonas, os cursos de dirigentes, as casas umas das outras e a sua própria lei. Tiveram vitórias e derrotas que levaram, por fim, a que se fundisse no Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas – STAD, após diversas dificuldades ao longo da segunda metade da década de 80.

Revisitar hoje a experiência do Sindicato do Serviço Doméstico e da cooperativa das trabalhadoras do serviço doméstico, nos seus sucessos e nos seus fracassos, nas suas vitórias e nas suas derrotas, traz-nos também um sabor de luta, de utopia e de concretização. E alento para os desafios e as dificuldades de um futuro feminista de organização do trabalho doméstico e do cuidado.


EM EXPOSIÇÃO

11 de março a 13 de maio de 2023

Fábrica das Ideias, Gafanha da Nazaré

Terça a sábado, das 11h-13h e 14h–18h

Sábado das 15h às 20h
(ao contrário da informação anterior, a exposição está encerrada também ao Domingo.)

Entrada gratuita

EXPOSIÇÃO EM 2022

1 a 8 de março de 2022

Galeria Geraldes da Silva, Porto

Entrada gratuita

VISITA GUIADA

4 de março de 2022, sexta, 21h30

Com a presença de Conceição Ramos e Godelieve Meersschaert (antigas mobilizadoras do Sindicato do Serviço Doméstico)

Fotografias @Teresa Pacheco Miranda

OFICINA DE CONSTRUÇÃO DE MATRAFONAS

Em 1979, antes do primeiro congresso, as dirigentes do Sindicato do Serviço Doméstico decidiram fazer uma boneca de trapos com mais de um metro de altura, fardada a rigor como antes do 25 de abril, com um avental que ostentava "Código Civil de 1867", lei que continuava a enquadrar de forma anacrónica o seu trabalho. A boneca, a que chamaram Matrafona, foi oferecida à Primeira-Ministra Maria de Lourdes Pintasilgo. Nesta oficina, que aconteceu no feriado de carnaval, recuperámos esta prática e construímos outras matrafonas, portadoras de injustiças e anacronismos, que levámos à rua no dia 8 de marco.

A oficina foi orientada por Fia Queiros do Krivã Atelier

Participação livre e limitada a 16 vagas.


equipa e apoios

 

Curadoria e montagem Mafalda Araújo e Maria Manuel Rola

Assistência à curadoria Sara Barros Leitão

Apoio à recolha e seleção do arquivo Inês Sena

Apoio à produção e montagem Allan Barbosa 

Direção de Produção Susana Ferreira

Design Marta Ramos

Produção Cassandra

Origens dos arquivos Centro de Arquivo e Documentação da CGTP-IN, Conceição Ramos, Godelieve Meersschaert (Lieve), RTP

Apoio Transform!, República Portuguesa e Direção Geral das Artes

 

Agradecemos a Galeria Geraldes da Silva, Luís de Carvalho, Conceição Ramos, Godelieve Meersschaert (Lieve), Olegário Paz, Centro de Arquivo e Documentação da CGTP-IN, Teatro Experimental do Porto, Associação do Porto de Paralisia Cerebral e as várias companheiras que se mobilizaram para este encontro